24 dezembro 2007

Pedrinha no sapato

Sol. Uma manhã de fim de semana e uma claridade fria estampava-se nas paredes dos prédios que rodeavam o jardim. Árvores. Relva. O ar estava limpido e puro como a água fria da nascente. No jardim poucas pessoas, apenas se conseguia escutar o som do vento a bater nas árvores e os pássaros que voavam por entre as árvores.
Num banco do jardim, perto da estátua de Cronos, estava deitado um homem. Vestia fato completo, sapatos pretos e camisa preta com gravata preta. Por cim ado seu corpo, que o cobria, uma gabardina cinzenta. No chão o chapéu que caira durante o príncipio do sono. Os raios de sol lentamente aproximam-se da sua cara. Com o corpo em metade coberto pela luz solar, o homem sem abrir os olhos sente que já é dia e começa a sentir o seu corpo imóvel e gelado. Do acto de pensar levantar-se e da passagem ao mesmo não levou mais do que menos de trinta segundos. Sentou-se. Colocou os óculos e viu onde tinha pasado a noite. O jardim era o mesmo mas com sol. Levanta-se e veste a gabardina. Sente os pés frios colados aos sapatos italianos que lhe estavam apertados.
Sede. Procurava com os olhos, sondava o jardim na esperança de encontrar um bebedouro para se saciar. Boca seca, andar languido e com os olhos semi abertos, vai tentar descobrir o caminho para sair do jardim. Dinheiro não era problema, a carteira tinha duas notas de vinte. E lá vai ele, mãos nos bolsos da gabardine para escapar ao frio que o apanhava.
Até agora não encontrara ninguém na sua caminhada. Sozinho demanda o caminho para sair de onde está e chegar ao destino, a saída. Após longo tempo passado, dá de caras com um portão portentoso. Aberto. A saída.
Resolve então ir ao café mais próximo para tomar o pequeno almoço e ler o jornal do dia. Um galão com dois pacotes de açucar e uma torrada mista acompanhadas pelas notícias matutinas, fazem-lhe companhia durante meia hora. Ainda sentado no café sente que têm uma pedra no sapato, uma pedrinha do jardim. Vai à casa de banho resolver o problema.
Passando diante do portão do jardim repara que no alto do mesmo se encontra a frase: "E, Por Aqui Passas". Realmente a frase fazia todo o sentindo, embora um tanto ou quanto básica na sua percepção. Claro se é um portão as pessoas tem que passar por ali... pensou o homem. Mas ele não tinha entrado no jardim por aquele portão, na noite anterior entrara por um outro portão. E sendo curioso por natureza resolve indagar a questão.
Depois de caminhar no labirinto dos caminhos do jardim, encontra o portão que procurava. No alto do portão estava a frase: " As Pedras No Caminho Falta Te Fazem".
(...)
De facto não tinha pensado na hipótese de ter entrado pela saída do jardim na noite anterior, pensou. Tudo tem um príncipio e um fim, a parte de cima e a parte de baixo. Ou seja tudo tem o seu contrário. E pelo meio muitas pedrinhas vou ter que tirar do meu sapato.
Virou costas, um gato olhava para ele pela janela de um rés-do-chão do prédio em frente ao portão. Olhou para o céu e viu a lua. A lua que aparece por vezes ainda quando há sol. Tira um cigarro da sua cigarreira, fuma um, enquanto se afasta do jardim onde dormira.
De repente lembra-se da pedrinha que tirara do sapato. Vai com a mão ao bolso interior do casaco e agarra-a.

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